quinta-feira, 15 de março de 2012

Introdução Geral ao Evangelho de Lucas - J. C. Ryle

"Visto que muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, conforme nos transmitiram os que desde o princípio foram deles testemunhas oculares e ministros da palavra, igualmente a mim me pareceu bem, depois de acurada investigação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito, excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem, para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instruído" (Lucas 1.1-4)
       O Evangelho de Lucas, sobre o qual iniciamos nossas meditações, contém diversos relatos preciosos que não aparecem nos demais evangelhos. A história de Zacarias e Isabel e a da anunciação feita pelo anjo à virgem Maria são exemplos disso. Aliás, de forma geral, todo o conteúdo dos dois primeiros capítulos, bem como as narrativas da conversão de Zaqueu e do ladrão na cruz, da caminhada pela estrada de Emaús, das famosas parábolas do fariseu e do publicano, do rico e Lázaro e do filho pródigo são relatos exclusivos do Evangelho de lucas. São partes das Escrituras pelas quais todo crente bem instruído sente-se especialmente grato. A este evangelho somos devedores por essas narrativas!
       Esse breve prefácio apresenta uma característica peculiar do Evangelho de Lucas. Mas, ao examiná-lo, descobriremos que está repleto de abundante e proveitosa instrução!
       Primeiramente, Lucas nos oferece um breve mas valioso resumo da natureza de um evangelho. Descreve-o como "uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram". Um evangelho é uma narrativa de fatos a respeito de Jesus Cristo. O cristianismo é uma religião que se baseia em fatos. Jamais percamos de vista esta realidade. Foi assim que a princípio o cristianismo alcançou os homens. Os primeiros pregadores não ficaram a perambular pelo mundo, proclamando um sistema bem elaborado e artificial de doutrinas obscuras e princípios complexos. Sua ocupação primordial foi transmitir aos homens fatos absolutamente claros. Saíram anunciando a um mundo sobrecarregado de pecado que o Filho de Deus veio à terra, viveu, morreu e ressuscitou por nós. O evangelho, no princípio, era muito mais simples do que o proclamado por muitos hoje. Consistia simplesmente na história de Jesus, e mais nada além disso.
       Em segundo, Lucas retrata uma linda figura da verdadeira posição dos apóstolos na igreja primitiva. Ele os chama de "testemunhas oculares e ministros da palavra". Nesta expressão existe uma humildade instrutiva, uma ausência completa daquele tom de exaltação humana que frequentemente tem surgido na igreja. Lucas não confere aos apóstolos qualquer título, nem oferece a menor desculpa para aqueles que falam sobre eles com veneração idólatra, por causa do ofício que ocuparam ou de sua intimidade com o Senhor.
       Apresenta-os como "testemunhas oculares". Os apóstolos contavam aos homens o que haviam visto e ouvido com seus próprios olhos e ouvidos (1 Jo 1.1). Lucas descreve-os como "ministros da palavra". Eram servos da palavra do evangelho. Eram homens que consideravam o seu mais elevado privilégio levarem, como mensageiros, as boas-novas do amor de Deus e a história da cruz ao mundo.
       Em terceiro, Lucas apresenta as suas qualificações para a obra de escrever um evangelho. Ele declara que fez "acurada investigação de tudo desde sua origem". Seria perda de tempo inquirir de qual fonte Lucas obteve as informações que nos fornece em seu evangelho. Basta saber que Lucas escreveu por inspiração divina. É óbvio que não desprezou os meios normais de obter informações. Todavia, o Espírito Santo o dirigiu na escolha dos assuntos, assim como o fez aos demais escritores da Bíblia. Ele guiou os pensamentos de Lucas na elaboração do texto, no formar as sentenças e, mesmo, na escolha das palavras. Por conseguinte, o que ele escreveu deve ser lido "não como palavra de homens, e sim como "a palavra de Deus" (1 Ts 2.13).
       Devemos sustentar com firmeza e cuidado a grande doutrina da inspiração plenária de cada palavra da Bíblia. Jamais aceitemos a idéia de que algum escritor do Antigo ou do Novo Testamento cometeu uma simples falha ou erro ao escrever, quando redigia as Escrituras, pois o faziam "movidos pelo Espírito Santo" (2 Pe 1.21). Ao ler a Bíblia, tenhamos conosco o firme princípio de que, se não conseguimos entender uma passagem ou harmonizá-la com outra, a falha não está no Livro, e sim em nós. Adotar esse princípio firmará nossos pés sobre uma rocha. Rejeitá-lo nos levará a areias movediças; e nossas mentes se encherão de incertezas e dúvidas infindáveis.
       Finalmente, Lucas nos informa o seu objetivo principal em escrever esse evangelho - para que Teófilo tivesse "plena certeza das verdades em que" havia sido instruído. Não existe nesse propósito qualquer incentivo àqueles que confiam em tradições orais e na "voz da igreja". Lucas conhecia bem a fragilidade da memória humana e a facilidade com que uma história pode ser modificada, tanto por acréscimos quanto por alterações, quando depende tão somente da palavra falada ou de informações transmitidas oralmente. Então, o que ele decidiu fazer? Teve o cuidado de escrever.
       Não existe nesse propósito qualquer encorajamento para aqueles que se opõem à propagação do cristianismo e referem-se a ignorância como a "mãe da devoção". Lucas não queria que Teófilo permanecesse em dúvidas sobre qualquer assunto de sua fé; e afirma que desejava tivesse ele "plena certeza das verdades em que" havia sido instruído.
       Terminemos nossa meditação sobre esta passagem agradecidos pela Bíblia. Devemos bendizer a Deus diariamente, pelo fato de não termos sido deixados à dependência das tradições dos homens e encaminhados erroneamente por ministros mal informados. Temos um Livro escrito que pode nos tornar sábios "para a salvação pela fé em Cristo Jesus" (2 Tm 3.15).
       Iniciemos o estudo do Evangelho de Lucas com o desejo profundo de conhecer, por nós mesmos, a verdade, que se encontra em Jesus, e com firme determinação de fazer o que estiver ao nosso alcance a fim de propagar o conhecimento desta verdade em todo o mundo.
J. C. Ryle
Extraído do livro Meditações no 
Evangelho de Lucas de J. C. Ryle

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