sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A Intelectualidade na Apresentação do Evangelho – John Stott

Cartaz_Crer é também Pensar_2Em Romanos 10 Paulo argumenta convincentemente a favor da necessidade de se pregar o Evangelho para que as pessoas se convertam.

Os  pecadores são salvos, diz ele, por invocarem o nome do Senhor Jesus.

Isso é  muito claro. Mas como invocarão àquele em quem não creram? E como  crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão a respeito deles se  não há quem pregue? Ele concluiu o seu argumento dizendo:

“Assim , a fé  vem pela pregação e a pregação, pela palavra de Cristo”.

No seu argumento está implícito que nossa proclamação do Evangelho  tem de Ter um conteúdo sólido. É nossa responsabilidade apresentar de forma  completa a pessoa divina e humana de Jesus Cristo, e sua obra de salvação ,  de modo que por meio desta “pregação de Cristo” Deus desperte a fé no  ouvinte. Tal pregação evangelística está longe de sua trágica caricatura, tão  comum hoje em dia, a saber: um apelo emocional e anti-intelectual por  “decisões”, quando os ouvintes têm apenas uma confusa noção sobre o que  devam se decidir e por quê.

Convide-o a considerar o lugar da mente da evangelização, dando-lhe  duas razões do Novo Testamento para uma proclamação do evangelho, que  faça uso da mente.

A primeira é tirada do exemplo dos apóstolos. Paulo resumiu o seu  próprio ministério evangelístico com as simples palavras “persuadimos aos homens”. Pois bem, a “persuasão” é um exercício intelectual. “Persuadir” é  dispor argumentos de forma a prevalecer sobre as pessoas, fazendo-as mudar  de idéia com respeito a alguma coisa. E o que Paulo declara fazer é ilustrado  por Lucas nas páginas de Atos. Ele nos diz, por exemplo, que por três semanas na sinagoga em Tessalônica Paulo “dissertou entre eles , acerca das  Escrituras, expondo e demonstrando Ter sido necessário que o Cristo  padecesse e ressurgisse dentre os mortos” e dizendo “este é o Cristo, Jesus,  que eu vos anuncio”. O resultado, Lucas acrescenta, foi que “alguns deles foram persuadidos”. Pois bem, todos os verbos que Lucas emprega aqui, descrevendo o ministério evangelístico de Paulo – disserta , expor, demonstrar, anunciar e persuadir – são , até certo ponto, verbos “Intelectuais”.  Indicam que Paulo ensinava um corpo de doutrina e dissertava em direção a  uma conclusão. Seu objetivo era convencer para converter. E o fato de que  depois de uma campanha, muitas vezes dizemos “graças a Deus alguns se  converteram”, é um sinal de que fugimos um pouco do vocabulário  neotestamentário. Seria igualmente bíblico, se não mais, dizermos “graças a  Deus alguns foram persuadidos”. Pelo menos isso foi o que Lucas disse depois da missão de Paulo em Tessalônica.

As longas permanências de Paulo em algumas cidades, notadamente em  Éfeso, é explicável pela natureza persuasiva de sua pregação do evangelho.  Nos três primeiros meses que lá passou Paulo freqüentou a sinagoga, onde  “falava ousadamente, dissertando e persuadindo, com respeito ao reino de  Deus”. Depois apartou-se da sinagoga “passando a discorrer diariamente na  escola de Tirano” local que possivelmente teria sido um salão de conferência secular, alugado por ele para esse fim. Alguns manuscritos acrescentam que suas palestras iam da hora Quinta a décima, ou seja, das onze da manhã às quatro da tarde. E “durou isto”, Lucas nos informa, “por espaço de dois anos”. Admitindo que Paulo trabalhasse seis dias por semana, as cinco horas diárias em que passava pregando persuasivamente o evangelho totalizando cerca de 3.120 horas. Não é de se surpreender, ainda, que, em conseqüência, Lucas diz: “todos os habitantes da Ásia ouviram a palavra do Senhor”.

Quase todo o  mundo certamente teria que passar por lá, mais cedo ou mais tarde, por causa  de alguma compra, ou para consultar um médico, ou um advogado ou um  político, ou ainda para visitar um parente. E, evidentemente, um dos atrativos  da cidade era ir ouvir o pregador cristão Paulo. Podia-se ouvi-lo a qualquer dia. Muita gente foi vê-lo, e foi persuadida da verdade de sua mensagem, voltando nascidos de novo às suas vilas de origem. Assim a palavra de Deus  espalhou-se por toda a província.

A Segunda evidência que o Novo Testamento nos dá de que a evangelização deve ser uma proclamação da boa nova fazendo uso do raciocínio é que a conversão, não poucas vezes, é descrita em termos da resposta de alguém não a Cristo propriamente, mas à “verdade”. Tornar-se cristão é “crer na verdade”, “obedecer à verdade”, “reconhecer a verdade”.  Paulo chega até a referir-se a seus leitores romanos dizendo “viestes a  obedecer de coração á forma de doutrina a que fostes entregues”. É evidente,  por essas expressões, que, ao pregarem a Cristo, os evangelistas da igreja  primitiva ensinavam um corpo de doutrina acerca de Cristo.
Há , porém, objeções a esta minha tese quanto ao evangelismo.

Primeiramente, pode-se perguntar, essa evangelização racional que advogo não estará a serviço do orgulho intelectual das pessoas?

Certamente  isso é possível. Temos que nos precaver contra esse perigo.

Ao mesmo tempo  há uma diferença substancial entre adular a vaidade intelectual de alguém (o  que não devemos fazer) e respeitar sua integridade intelectual (o que temos de  fazer).

Em segundo lugar, essa apresentação do evangelho com persuasão intelectual não faz discriminação, impedindo que as pessoas de baixo nível cultural recebam o evangelho? Não, não faz. Ou, pelo menos, não deveria  fazer. Assim como Paulo, somos compromissados ou “somos devedores”,  tanto a sábios como a ignorantes”. O evangelho é para todos, independentemente do nível de escolaridade. E o tipo de evangelização que defendo, que  apresenta Jesus Cristo em sua plenitude, é importante a toda classe de pessoa,  sejam crianças ou adultos, cultas ou incultas, indígenas do Amazonas ou  intelectuais da universidade. É que a apresentação por esta forma de  evangelização não é uma apresentação acadêmica (calcada em termos  filosóficos ou num vocabulário complicado), mas sim racional. E as pessoas  de baixo nível cultural respondem à razão da mesma forma que as doutas.  Suas mentes talvez não tenham sido exercidas a pensar de uma maneira  determinada, e é certo que deveríamos observar a diferença que Marshall McLuhan e seus seguidores fazem, distinguindo o pensamento linear do não-linear. De qualquer forma, aquelas pessoas ainda pensam. Todos ser humano  pensa, pois Deus criou o homem como um ser pensante. O ensinamento do próprio Jesus, embora maravilhosamente simples, certamente fez com que seus ouvintes pensassem. Ele lhes apresentou verdades importantes acerca de Deus e do homem, sobre si mesmo e o Reino, sobre esta vida e a próxima.

E  com freqüência terminava suas parábolas com uma incomodativa pergunta,  forçando seus ouvintes a tomarem uma decisão com respeito ao ponto em  discussão.

Nosso dever então é evitar distorcer ou diluir o evangelho, e, ao mesmo  tempo, apresentá-lo de forma bem clara, manejando bem a palavra da  verdade, de forma que as pessoas venham a aceitá-la, para não acontecer conforme as palavras de Jesus: “a todos os que ouvem a palavra do Reino e  não a compreendem, vem o maligno e arrebata o que lhes foi semeado no  coração”. Creio que ás vezes são as nossas explicações “por alto” que dão ao diabo precisamente esta oportunidade, que nunca se lhe deveria dar.

Em terceiro lugar, a pregação do evangelho com argumentação racional  não usurpa o trabalho do Espírito Santo, fazendo com que na prática o dispensemos? Bem, é claro que sem o poder do Espírito Santo a evangelização é impossível. Todavia, é um grande erro pensar que é uma característica da autoconfiança ou da falta de fé dar um conteúdo de doutrina  às boas novas, e valer-se de argumentos para demonstrar a verdade e a  relevância do evangelho; e que basta Ter mais fé no Espírito Santo para  podermos omitir toda doutrina e argumentação. Na verdade o contrário disso é que é certo. É uma falsa antítese essa a de se contrapor ao Espírito Santo a  apresentação do evangelho que faça uso da razão.

O que Paulo renunciara, disse ele aos coríntios, fora a sabedoria do  mundo (como matéria de sua mensagem) e a retórica dos gregos (como  método de apresentação). Em vez da sabedoria deste mundo, resolveu pregar  a Cristo, este crucificado; no lugar da retórica, optou por confiar no poder do  Espírito Santo. Mas Paulo ainda se valia da doutrina e da argumentação.

Gresham Machen expressou admiravelmente esta questão em seu livro  The Christian Faith in the Modern World (A Fé Cristã no Mundo Moderno):  “O misterioso trabalho do Espírito Santo tem mesmo que acontecer no novo nascimento”, escreveu. “Do contrário, todos os nossos argumentos são completamente inúteis. Mas não podemos concluir que os argumentos sejam  desnecessários, pelo simples fato de serem insuficientes. O que o Espírito Santo faz no novo nascimento não é transformar a pessoa num cristão sem dar atenção à evidência, mas, pelo contrário, dissipar a névoa de seus olhos, de  forma que possa ver e responder à evidência.

Wolfhart Pannenberg, o jovem professor de Teologia Sistemática de  Munique, escreveu algo similar em seu livro “Basic Questions in Theology”  (“Questões Teológicas Fundamentais”): “Uma mensagem não convincente, como alternativa, não é capaz de alcançar o poder de convencer  simplesmente apelando ao Espírito Santo… A argumentação e a operação do  Espírito não são mutuamente exclusivas. Ao confiar no Espírito, Paulo de  forma alguma dispensou-se de pensar e argumentar”.

Assim, pois, em nossa proclamação do evangelho, temos que nos dirigir à pessoa toda (mente, coração e vontade) com o evangelho todo (Cristo  encarnado, crucificado, ressurreto, soberano, sua Segunda vinda e muito mais  ainda). Deveremos argumentar com sua mente e apelar fervorosamente a seu coração para que mova a sua vontade,  estando nossa confiança depositada no Espírito Santo do começo ao fim. Não nos é dada a liberdade de apresentar Cristo parcialmente (como homem mas não como Deus, sua vida e não sua  morte, sua cruz mas não sua ressurreição,  como Salvador mas não como  Senhor). Nem ainda temos o direito de pedir uma resposta parcial (da mente mas não do coração, do coração mas não da mente, ou da mente ou do coração mas não da vontade). Não. Nosso objetivo é ganhar o homem todo  para o Cristo total, e para isso é necessário o completo consentimento de sua  mente, coração e vontade.

Oro insistentemente que Deus levante hoje uma nova geração de apologistas cristãos, pessoas que comuniquem a mensagem cristã, tendo uma  absoluta fidelidade ao evangelho bíblico, e uma inabalável confiança no poder  do Espírito, combinada com um entendimento profundo e sensível às  alternativas contemporâneas do evangelho; pessoas que se relacionem com as  demais com vivacidade, ardor, autoridade e propriedade, pessoas que façam  uso de suas mentes para ganharem outras mentes para Cristo.
Retirado do Livro: “Crer é também pensar- John Stott”
Fonte: Ame Cristo

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